terça-feira, 28 de junho de 2022

Navegar é preciso, escrever não é preciso.

 

                                                                                                                                                           Foto: Vitor Hugo

Não, escrever não é preciso.

Navegar é preciso, sim: exige cálculo, mapa, bússola, astrolábio, gps, método, experiência... precisão.

Escrever, não. Quando se parte para a escrita, ainda mais a escrita desinteressada de um blog, não se sabe onde vai chegar. O importante é a partida, ou melhor, a travessia. E é assim que partimos, de uma folha em branco e desinteressada.

O navio precisa chegar, aportar, contar ao rei o que há nas novas terras. A escrita não. Escrever é como viver. "Viver não é preciso", ah, Pessoa! Viver não exige método, cálculo, instrumentos, fórmula certa. Só se aprende a viver vivendo. Assim é a escrita. Só se aprende a escrever escrevendo. É verbo no movimento do gerúndio, não no imóvel do infinitivo. A escrita apenas parte. Por isso ela vai dentro de uma garrafa, saltando de onda em onda, arriscando-se entre os rochedos, tropeçando em busca de alguém que lhe encontre e, talvez, lhe dê algum destino digno.

Mas também pode ser farol no meio do mar. No seu movimento giratório pode, por algum instante, iluminar a alma de quem lê e de quem escreve. Por isso, escrever é necessário, sim, e muito! Em tempos sombrios, mais ainda. Encontrar a palavra certa pra doutor não reclamar. Avohai!

Sade sabia e necessitava da escrita tanto quanto ela dele. Escreveu com tinta, sangue, voz, com o que foi possível. Era sua sobrevivência. Não importa se alguém o leria. Não importa o destino. Sem a escrita, enlouqueceria. E era ela que seus algozes atacavam. Mais que seu corpo. Porque as ideias são mais fortes que os ossos.

A criação é uma inquietação. Fervilha até encontrar um lugar por onde sair. Se não sai, enlouquecemos. Leminski já dizia, o uso da linguagem dá um barato legal. Com técnica ou não, o importante é partir. O talentoso que não se diverte inveja o trôpego que brinca com a pouca técnica que tem. Jouer, to play... tocar, atuar, brincar, não por acaso são semânticas próximas.

Partir do zero, da página em branco, do silêncio. A parte mais difícil é o início do texto. “Então comece pelo meio”, dizia um professor meu. E assim partimos nessa nave grená, argonautas insensatos, sem destino, sem velo de ouro; escrevendo sem nenhuma precisão, apenas pela necessidade da travessia, para escapar da loucura, ou talvez em nome dela. Página em branco. Vamos nós!


                                                                                                                                                           Foto: Vitor Hugo

Arrivistas, bajuladores e embusteiros? Non, mèrci! Non, mèrci! NON, MÈRCI!!

(www.gallica.bnf.fr)      Cyrano de Bergerac poderia facilmente ser entitulado “O Penacho de Cyrano” se assim fosse da vontade de Edmo...